A Separação foi lançado nos cinemas do Brasil no início do ano e já está nas locadoras há alguns meses, mas somente agora consegui vê-lo. O filme recebeu uma enxurrada de prêmios internacionais, incluindo o Urso de Ouro no Festival de Berlim, o Globo de Ouro e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Para o popular crítico americano Roger Ebert, A Separação foi o melhor filme de 2011, superando os elogiadíssimos O Artista e A Árvore da Vida.
Para quem pode torcer o nariz com a possibilidade de assistir um filme iraniano, é bom lembrar que nos últimos anos, por motivos que desconheço, o Irã despontou no panorama do cinema mundial, como já havia acontecido antes com o cinema de Hong Kong, por exemplo. Além disso, ao contrário do que se possa imaginar, A Separação não é um filme-de-arte, um filme experimental, existencialista, ou com longos planos silenciosos, como a maioria das pessoas imagina um filme europeu ou asiático. Embora sendo um drama familiar, tem um ritmo até bastante ágil no desenrolar da história.
Sabe aquela máxima,"fale para sua aldeia, fale para o mundo". Pois é isso que propõe o diretor Farhadi. Embora em alguns momentos, nos escape o significado de alguns aspectos da complexa sociedade moderna iraniana, num delicado momento entre o passado extremamente ditado pela religiosidade e sua inevitável modernização tecnológica e de costumes, impulsionados por uma silenciosa influencia ocidental, o filme está mais interessado em discutir os valores universais da condição humana. No Irã, Brasil, ou onde quer que seja, os cidadãos de bem digladiam-se no seu dia-a-dia numa batalha entre a vontade bem-intencionada de fazer a coisa certa e sua sujeição aos valores impostos pela sociedade ou mesmo o intrínseco egoismo nato do ser humano. Todos querem fazer o melhor, mas se perdem em escolhas erradas e comportamentos inadequados.
Simin (Leila Hatami) e Nader (Peyman Moadi), em cena do filme |
A Separação não tem efeitos especiais, não tem nenhuma estupenda fotografia e nem mesmo possui uma trilha sonora para pontuar a ação, mas tem o "trio de ouro" que faz de qualquer filme uma verdadeira expressão artística: um excelente roteiro, rico de nuances psicológicas e críticas sutis à sociedade iraniana - sua religiosidade, seu aparato judiciário, seus costumes, preconceitos e separação de classes; atores extremamente convincentes, tanto os principais da trama quanto os inúmeros coadjuvantes, com destaque para o trabalho da atriz infantil Sarina Farhadi - filha do diretor - no papel de filha do casal em processo de separação; e acima de tudo, paira o espetacular trabalho como diretor de Farhadi, orquestrando tudo com a sutileza de colocar o espectador como se fosse mais uma personagem, uma presença imperceptível, e por isso mesmo, não sendo onipresente, não acompanhamos tudo. São exatamente alguns fatos que deixamos de acompanhar e ver como espectadores que enriquecem a forma de desenrolar a trama, lapsos que como espectador deixamos de acompanhar, mas que colaboram para impactar na nossa reação emocional.
Em seu final, A Separação não propõe soluções, e tampouco se mostra minimamente manipulador, deixando para o espectador tirar suas próprias conclusões. Uma dessas conclusões, no meu caso, é que o filme é realmente especial e raro, que já nasceu como um clássico moderno do cinema mundial.