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A Condenação (Conviction)


OK. Os americanos já produziram trocentos filmes sobre advogados dedicados que conseguem provar a inocência de seus clientes injustamente condenados. A Condenação é bem convencional, e o final, não só não é surpresa, como já sabemos dele até mesmo antes de ver o filme. Mas o filme é um dos mais locados atualmente, e consegui-lo disponível numa locadora é tarefa difícil, só por isso pensei: "o que esse filme tem demais, afinal?"  Algo bastante simples: quem de nós não gosta de acompanhar a luta persistente de alguém para obter seu objetivo? O filme tem um bom roteiro, e a direção segura de um ator que dirigiu pouco para cinema e muito para a TV, por isso A Condenação tenha um estilo de filme produzido para a TV. Hilary Swank andou fazendo escolhas equivocadas ultimamente, por isso imagino que, como aconteceu com seus 2 últimos filmes, resolveu se envolver na produção para garantir não participar de mais uma "roubada". Fazia tempo , na verdade, que não a via interpretar com brilho nos olhos. Minnie Driver, que andava meio sumida, também marca muito bem sua presença. E Sam Rockwell, dispensa elogios, porque costuma estar sempre bem. No entanto, são as coadjuvantes Juliette Lewis (envelhecida e enfeiada para o filme) e Melissa Leo (como a policial de moral duvidosa) que roubam as cenas com suas interpretações. 

Os "irmãos" Hilary Swank e Sam Rockwell em cena do filme
É bonito ver a amizade e amor entre os dois irmãos, que justifica tamanha dedicação pela personagem interpretada por Swank. A Condenação é um filme de atores contando uma história edificante. Não espere por diálogos inteligentes ou arroubos criativos na narração. Mas por que afinal curtimos um filme aparentemente comum, sem grandes surpresas? Porque, no caso desse e de outros filmes parecidos, é um grande alento que a vida às vezes pode imitar os filmes e nos presentear com um final  feliz. Mesmo que se tenha que esperar 18 anos por ele.


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Precisamos Falar Sobre o Kevin



Se você não sabe absolutamente nada sobre a história deste filme, você vai sair ganhando em acompanhar o seu desenrolar. Precisamos Falar sobre o Kevin é montado em flashes que alternam passado e presente, e vai lentamente montando o quebra-cabeça que nos revela o que aconteceu, reservando para o final a peça que falta, de uma forma absolutamente perfeita do ponto de vista de narrativa não-linear. Os tons fortes de vermelho estão presentes em várias cenas do filme, seja objetos, parte do cenário ou efeitos de iluminação. A cor vermelha pode ter significados diametricamente opostos: vermelho pode ser a cor do amor, da paixão, da fraternidade (para os franceses), mas também a cor da violência, da ira, do sangue derramado. No caso de Kevin, o vermelho pode simbolizar o amor, o afeto não-recebido, ao que ele responde com uma violência sangrenta. Precisamos Falar sobre o Kevin é um modelo de adaptação de obra literária para o cinema, traduzindo ideias e sentimentos somente através de imagens, marcantes e cheias de significados simbólicos. 

Tilda Swinton e o pequeno Rock Duer

O filme foi muito comentado pela premiada interpretação de Tilda Swinton (que você conhece como a feiticeira de As Crônicas de Nárnia). É óbvio que sua interpretação é fenomenal. Tilda é essencialmente uma atriz de cinema, porque interpreta contidamente, somente com o olhar. Mas são igualmente notáveis as interpretações dos atores que interpretam Kevin criança (Rock Duer e Jasper Newell) e adolescente (Ezra Miller). ...Kevin tem todos os ingredientes de um bom filme independente, no qual foi dado total liberdade à diretora Lynne Ramsay. Resultado: seu primeiro filme importante tem força dramática, é inventivo e suas imagens poderosas deixam espaço para o espectador refletir. Os atos de Kevin são fruto e culpa somente da mãe? Da mãe e do pai? Da falta de diálogo entre os pais, ou entre pais e filhos? Qual a parcela de culpa da sociedade, ou seja, todos nós? O filme, obviamente, não tem as respostas, mas as perguntas estão lá - e são perguntas que não querem calar.

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A Pele Que Habito

    

       As mulheres têm sido as personagens principais nos filmes de Almodóvar, por isso A Pele Que Habito talvez possa ser definido como a visão de Almodóvar sobre o universo masculino. Há poucas personagens no filme e na sua maioria são homens. Banderas, com quem o diretor não trabalhava há muito tempo, tem nesse filme o papel de maior destaque que o diretor lhe reservou até hoje. Os elementos típicos do universo de Almodóvar estão lá, mas talvez porque o filme se baseie em um livro, não sendo um roteiro original do diretor, a história pareça até certo ponto contida. Almodóvar sempre brincou com a dicotomia do masculino/feminino, sondando as barreiras onde um e outro passam a se tocar, se confundir e mesmo desaparecer. Em A Pele... ele ultrapassa totalmente essas barreiras. É curioso observar que no filme há umas 3 cenas de sexo, e somente uma ocorre entre um homem e uma mulher, e justamente esta é retratada como um estupro. Não acredito que seja uma visão preconceituosa de como Almodóvar vê o sexo entre heterossexuais. O diretor já demonstrou em filmes anteriores sua extrema sensibilidade em compreender e retratar o universo feminino. Por isso, sou mais propenso a interpretar como a defesa da ideia de que o homem que não entrou em contato com seu lado feminino é incapaz de satisfazer uma mulher - dentro ou fora da cama. 

Elena Anaya em cena do filme

     Vivemos a era da estética. Quem não está satisfeito com seu corpo tem uma infinidade de cirurgias e procedimentos para rejuvenescer, eliminar imperfeições de todo tipo e até mesmo trocar de sexo. Se a mudança é algo desejável, mesmo que o resultado não contente o freguês, a adaptação será sempre mais fácil. Em A Pele... Vicente é prisioneiro de Robert. Mas uma prisão entre quatro paredes pode ser superada em angústia pela prisão em um corpo indesejado, do qual não podemos fugir. Qualquer psicólogo de plantão pode discorrer sobre o dilema de uma alma feminina aprisionada em um corpo masculino (e vice-versa), mas e adaptar-se a esta situação, se ela não foi desejada? - ai , sim, é o reverso da medalha.   O elemento principal que impulsiona a trama é uma vingança - absurda e cruel - mas as vinganças são cíclicas - uma lei de ação e reação. Como diz o ditado siciliano, vingança é um prato que se serve frio. Se a vingança de Robert foi planejada e executada passo-a-passo ao longo do tempo, Vicente terá , por sua vez, todo o tempo do mundo para elaborar mentalmente a sua, mas executada rapidamente no calor da oportunidade.  Para fãs ou não de Almodóvar, A Pele Que Habito tem elementos suficientes para agradar, prender a atenção, e em meio a seus assuntos polêmicos e tabus, dar o que pensar e falar. Ponto para Almodóvar.

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