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O Artista



 

Antes de todos os prêmios que recebeu este ano, O Artista ganhou fama por ser um filme preto & branco e mudo, algo bastante inusitado na era do 3D - o filme mudo mais "recente" produzido que eu lembro foi A Última Loucura de Mel Brooks (Silent Movie, no original), da década de 70. Acho que a publicidade é injusta. Porque O Artista é muito mais do que apenas um curioso filme feito sem diálogos em pleno ano 2011. A qualidade de sua estrutura cômico-dramática consegue um fenômeno: lá pelo meio do filme, estamos tão absorvidos pela história que deixamos de reparar que o filme é mudo. A opção radical em fazê-lo mudo só pode ser entendida como uma forma de incorporar totalmente o contexto da situação enfrentada pela personagem principal. O ator francês Jean Dujardin, que já fez dobradinha com o diretor Hazanavicius em uma série de paródias aos filmes "007" , é um verdadeiro achado para a proposta do filme. Dujardin tem o que os franceses chamam de "physique du rôle" (a "cara" da personagem). Sua caracterização no filme lembra ao mesmo tempo Clark Gable e Rodolfo Valentino (não é à toa que a personagem se chame Valentin). Bérénice Bejo, esposa do diretor, está à altura de Dujardin na composição da personagem, transmitindo vitalidade, espontaneidade e veia dramática, quando necessária. Todos os elementos clássicos do conflito dramático estão lá: paixão/solidão; sucesso/fracasso; entusiasmo/desilusão;  ambição/desespero. A referência aos clássicos do cinema também: Cantando na Chuva, A Última Gargalhada, Um Corpo que Cai, Crepúsculo dos Deuses, Cidadão Kane, e muitos mais (um verdadeiro deleite para um cinéfilo como eu).

Jean Dujardin em cena de "O Artista"

O que O Artista tem que os modernos filmes, cheios de tecnologia, efeitos visuais e cenários digitalizados não tem? Os antigos gregos, que no lugar do nosso cineminha de final de semana, tinham somente o velho e bom teatro para se divertirem, moldaram a palavra "catarse" para explicar que ao assistirmos uma história (seja do jeito que for contada) há uma identificação com vivências nossas, que nos faz reviver emoções: ou seja, por exemplo, choramos num filme triste não por pena da personagem mas porque vemos nele algo que já experimentamos antes, uma dor reprimida que é então liberada. Alguém pode me explicar que tipo de catarse Transformers ou Crepúsculo pode provocar no espectador??  O Artista é o clássico filme risos e lágrimas, e prova que pode, sim, conseguir essa reação da platéia mesmo prescindindo de palavras - afinal, cinema não é acima de tudo imagem? Sendo, em segundo plano, uma homenagem ao cinema e à sua "Era de Ouro", o filme incorpora em algumas sequencias recursos visuais pescados dos antigos clássicos de Hollywood, tornando-o ainda mais interessante em sua proposta, mas no geral O Artista tem uma estrutura narrativa e um story-board nada estranho a qualquer filme atual. Esqueça que é um filme mudo e P&B, e deleite-se com um divertido e inventivo filme feito para agradar a todos - sem culpa. O Artista é diversão garantida!

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Hugo Cabret




 


A Invenção de Hugo Cabret é surpreendente. Eu nunca imaginaria ver Martin Scorsese, famoso por seus filmes de mafiosos e gângsters, violentos e de humor negro, dirigir uma fábula tão visual e sensível. E Scorsese vai contando a história sem pressa, nos envolvendo aos poucos, até mostrar a que veio este Hugo Cabret. Este menino de olhos grandes, que faz de sua torre de relógio quase uma cabine de projecionista de cinema (aquele que vê o desenrolar da história - filme - de uma posição privilegiada) e ao mesmo tempo, ao longo do filme vai servir como uma pequena engrenagem de um relógio para modificar o curso da história. É óbvio que Hugo é uma grande homenagem ao poder de encantamento do cinema, e também ao pioneiro Georges Méliès (primeiro visionário do cinema). Acho que a melhor qualidade do filme é reproduzir aos muitos que nunca tinham ouvido falar de Méliès, como seus filmes eram feitos, com criatividade, inventividade e paixão, de uma forma totalmente artesanal. Mas Scorsese também presta seu tributo aos artistas em geral, que são esquecidos pelo tempo, e a suas obras perdidas pela fugacidade material da arte (que não somente atinge o celulóide - que dor saber que tantos filmes de Méliès foram derretidos e viraram saltos de sapato!).

 


Hugo é repleto de metáforas e referências. A própria estação ("casa" de Hugo) remete ao primeiro filme dos irmãos Lumière. De sua torre-relógio, Hugo observa para dentro da estação o microcosmo das vidas que circulam por ali, e através do grande relógio da fachada, observa a cidade-luz , Paris - afinal, o cinema só existe concretamente através da luz. É espetacular a sequencia onde Hugo e sua nova amiga Isabelle , fazem voar pelos ares os esboços guardados por Méliès - lembrando que a criação artística muitas vezes nasce em uma ideia, passa por um papel (roteiro, partitura, design arquitetônico), mas só ganha realmente vida através do talento e dedicação de seus executores. Também é óbvio porque Scorsese optou por fazer o filme em 3D (embora eu considere que teria o mesmo impacto se não o fosse). Com essa renovada tecnologia, que virou moda depois de Avatar, e que em Hugo beira a mais absurda perfeição possível, Scorsese quer que as novas audiências possam experimentar algo semelhante àqueles que assistiram à primeira exibição dos irmãos Lumière. Esta arte mais que centenária já teve sua morte decretada diversas vezes (com a televisão, com o video-cassete, com a TV a cabo, com a Internet), mas surpreendentemente, continua a encantar milhões mundo afora (ano passado, no Brasil, mais um recorde de venda de ingressos foi alcançado). Essa magia do cinema poucas vezes foi tão reverenciada como nesse filme. Por isso o capricho dedicado: os atores (com destaque para Asa Butterfield , o Hugo) , a fotografia, a espetacular direção de arte do mestre italiano Dante Ferreti, e o próprio uso do 3D. A Invenção de Hugo Cabret não é perfeito, e como um outsider na filmografia de Scorsese, nem tampouco o seu melhor filme, mas como todo filme feito com paixão, as qualidades superam em muito os defeitos. Talvez com o tempo você esqueça alguns detalhes da trama, mas com certeza, ao sair do cinema seus olhos terão gravado para sempre sequências visuais inesquecíveis.

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Spirit Awards



Domingo passado, dia 26/02 foi a entrega do Oscar, baladíssimo, popular e que você provavelmente assistiu ou ficou sabendo sobre os principais vencedores. Na noite anterior, foi a entrega do Film Independent "Spirit" Awards. Desse prêmio você provavelmente nunca ouviu falar, e a entrega do prêmio foi somente transmitida por um canal pequeno da TV por assinatura. O "Spirit" - apelido do Prêmio - é dado aos filmes independentes (não produzidos pelos grandes estúdios, como Fox, Disney, etc.) que mais se destacaram no ano anterior, desde 1986. Nas indicações às poucas categorias (incluindo uma interessante, a de Melhor Primeiro Filme - ganho por Margin Call - O dia antes do fim) reconheci vários filmes elogiadíssimos pela crítica  e que, muito provavelmente, para poder assistí-los, terei que procurar em locadoras selecionadas, ou esperar que passem na TV por assinatura, porque a maioria deles dificilmente será exibida nos cinemas do Brasil. Filmes como O Abrigo, Martha Marcy May Marlene, Pariah, Another Earth ou Natural Selection.

Cena da comédia dramática 50% (Melhor Primeiro Roteiro)

O diferencial dos indicados e premiados é a preocupação com a qualidade - não há pressões de marketing - além do que já há muitos anos que os filmes independentes representam o melhor que o cinema americano produz. Como foi frisado por um dos apresentadores, o Spirit já revelou ao mundo diretores de hoje reconhecido talento como Spike Lee, Spike Jonze, Paul Thomas Anderson, Alexander Payne, Robert Rodriguez, Donald O. Russel, e tantos mais. Dentre os indicados aos prêmios de interpretação muitos desconhecidos, mas cujos trechos dos filmes demonstravam o inegável talento. Este ano, curiosamente, o grande vencedor coincidiu com a escolha do Oscar:

Melhor Filme - O Artista
Melhor Filme Internacional - A Separação
Melhor Ator - Jean Dujardin (O Artista)
Melhor Atriz - Michelle Williams (Sete Dias com Marilyn)
Melhor Diretor - Michel Hazanavicius (O Artista)